Vem
chegando o carnaval e as cercas de arame farpado vão surgindo por todos os
lados. De repente guardas armados começam a tomar conta das ruas e a vigiar
tudo que você faz pelas redondezas. Em alguns dias, agentes secretos se
infiltram até em conversas de elevador, reprimindo o menor sinal de dissenso:
todo mundo tem que apoiar o novo regime e movimentos de oposição não serão
tolerados.
Desfiles
tomam conta das ruas, com fileiras de pessoas reduzidas a pixels marchando ao som
de tambores e outros instrumentos para uivos da massa ensandecida. Uniformes
reluzentes passam em profusão, tanques alegóricos atropelam tudo o que passa
pela frente.
A
“patrulha da felicidade” fica de olho em potenciais rabugentos, dissidentes e
reacionários que ousam não se render ao chamado dos tambores. Ai deles!
Comparações
exageradas à parte, o carnaval, é sim, uma ditadura. Gente que não gosta de “bloco”
não só fica com receio de dizer que não gosta daquilo, como por medo das recriminações
no estilo “Gosta de que então? Passear em um museu na Europa?”, até vai junto
com os amigos, chegando a fingir que se diverte só para não ser visto como o “do
contra”.
O
sujeito ali num canto, se sentindo mais miserável das criaturas no meio de
bêbados, homes com sutiã da irmã e cheiro de sovaco com desodorante vencido, mas ainda assim quando percebe que alguém
o vigia de longe, já com a frase de recriminação pronta – “se diverte aí cara,
é carnaval!” –rapidamente capricha naquele sorriso babaca que todo folião tem
(ri de quê?) e fica pronto para a foto do Facebook.
Aliás,
só essa frase “...mas é carnaval!” já deveria de justificativa para proibirem o
evento por uns 10 anos, no mínimo.
Alguém
está urinando no seu pé no meio da rua e você reclama? “Mas é carnaval!”. Um
pentelho dá em cima de uma garota de forma inconveniente até que ela ameace
chamar a SWAT? “Que isso, é carnaval!”. Parar em cima da faixa de pedestres?
Tocar uma corneta cretina às 3h da manhã? Peidar na forafa? Mijar no guaraná?
Defecar no patê? “Ah, é carnaval!”
E
já que é assim, trate de gostar, meu amigo, senão a “tropa de choque da folia”
chega batendo de cassetete.
Óbvio
que muita gente se diverte genuinamente num desfile de bloco atrás de um trio
elétrico, mas lembremos que a “Tomatina”, evento que todos atiram tomates uns
nos outros no meio da rua, o festival do queijo rolante e o arremesso de cabras
também diverte milhares de pessoas ao redor do mundo.
O
problema que essas pessoas que se divertem genuinamente não conseguem acreditar
que exista outras pessoas que detesta tudo isso genuinamente. O espanto já
começa em letras de música como “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é” ou
“Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”.
Errado,
minha gente. Muita gente boa detesta samba e eu só iria em um trio elétrico sob
ameaça de um revólver ou adiantamento de alguns milhões de dólares americanos.
Assim
caímos numa situação onde alguém que não goste de: barulho, cheiro de urina,
lixo espalhado pela rua, multidões comprimidas em espaços exíguos, gente
desconhecida se achando no direito de fazer brincadeiras idiotas como se fosse
um amigo de infância, trânsito engarrafado, ruas interditados e gringos ávidos
por turismo sexual, não necessariamente nessa ordem, se sente até culpado por
não gostar de tudo isso e é recriminado abertamente se ousar.
Não
se reúne 20 pessoas no Brasil para vaiar um bando de deputados ou senadores
prestes a instalar um ladrão em algum cargo importante, mas é fácil juntar uns
100 para olhar cachorro atropelado e milhares para um desastre maior, tipo um
desfile de bloco na orla de Ipanema.
Aos
teimosos que cismam em não se render ao “reinado” de Momo Jung II, resta o exílio,
isso se o engarrafamento não o deixar preso no trânsito do país do carnaval.
Fonte: http://www.contracorrenteza.com/